Publicado em 13/08/2018 16h58

Fasciola hepatica em bovinos no Brasil: uma doença negligenciada

Por Marcelo Beltrão Molento e Izanara Cristine Pritsch
Por: Marcelo Beltrão Molento e Izanara Cristine Pritsch | Laboratório de Doenças Parasitárias do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade do Paraná, R: dos Funcionários, 1540, Curitiba CEP: 80035-050, PR, Brasil. E-mail: molento@ufpr.br

Introdução

A Fasciola hepatica é um parasito Trematoda, conhecido pelo seu mecanismo agressivo de invasão do fígado de ruminantes e outros animais, incluindo humanos. O parasito ocorre particularmente em áreas úmidas e alagadas facilitado pela presença do hospedeiro intermediário, molusco Galba sp. Foi determinado que em todo o mundo, mais de 300 milhões de bovinos estão expostos ao parasito, com uma perda calculada em €300 (euros) por bovino. O impacto econômico causado pela fasciolose é devido a diminuição no ganho de peso, produção de leite e fertilidade, e também, devido à alta condenação de fígados parasitados nos abatedouros. Embora a prevalência de 7% de F. hepatica em bovinos no Brasil seja considerada média, a doença é endêmica principalmente nos estados do Sul e Sudeste do Brasil, onde se tem mais de 65 milhões de cabeças, representando uma séria ameaça econômica (Figura 1). A prevalência de fasciolose bovina no Brasil pode alcançar até 91%, como observado por nosso grupo, no Rio Grande do Sul, com uma redução de 6% do peso da carcaça entre bovinos infectados (Figura 2) e não infectados, representando uma redução de US$ 35,00 por animal infectado.

Artigo Científico Figura 1 - chimp

O impacto da fasciolose em bovinos leiteiros é conhecido pela significativa redução na produção de leite.  Em alguns países como Espanha e Bélgica, foi observada redução de 1.5 kg/vaca/dia (5% do total do rendimento do leite) e 0.7 kg/vaca/dia (3%), respectivamente. Na Áustria, a redução observada foi de 1.2 kg/vaca/dia, assim como alterações nos parâmetros de qualidade do leite, no qual, verificou-se uma redução de 0,091% no teor de gordura e 0,046% para proteína. No setor de carne também foi observado forte impacto, além da redução no ganho de peso, os animais infectados podem levar de 31 a 77 dias a mais para atingir o peso ideal de abate, comparando-se com animais saudáveis.

 

Devido à importância da doença, a infeção humana por F. hepatica tem recebido atenção secundária. A Organização Mundial da Saúde estimou que pelo menos 2,4 milhões de pessoas estão infectadas em mais de 75 países, com vários milhares em risco sério de contaminação. Acredita-se que no Brasil, o número de casos relatados não representa a real situação, isso ocorre desconhecimento da doença pelos profissionais da saúde; à falta de diagnóstico de rotina em laboratórios de análises clínicas; temos poucos métodos de diagnóstico com alta sensibilidade e especificidade disponíveis no mercado e doença não faz parte das doenças de notificação compulsória. O diagnóstico da fasciolose humana e animal é feito com a detecção de ovos de parasitos em fezes, no entanto, estes métodos apresentam alguns inconvenientes pois detecção dos ovos é possível somente na fase crônica da doença, além da baixa sensibilidade da técnica. Dessa forma, técnicas imunológicas tornam-se uma alternativa eficaz.

Artigo Científico Figura 2

Figura 2. Foto 1. Imagem do caramujo (Lymnaea sp.) que faz parte do ciclo de vida da Fasciola hepatica no ambiente. Foto 2. Imagem de parasitos adultos em lesão de fígado no frigorífico. Notar as áreas brancas de cicatrização e deposição de tecido fibroso.

O tratamento de fasciolose é feito com produtos da família dos benzimidazóis (Triclabendazole e Albendazole), porém já foi determinada a resistência contra os medicamentos em vários países, inclusive contra Fasciola no Brasil. Para o controle da doença devemos reduzir ou eliminar o caramujo, que é seu hospedeiro intermediário (Figura 2). Uma maneira eficiente para a redução de moluscos é a drenagem do campo em áreas críticas, que nem sempre é possível devido à extensão das áreas contaminadas ou por consistirem em canais de irrigação. Outra estratégia viável no controle desta zoonose seria a aplicação de molusquicidas ou então, introduzir inimigos naturais do caramujo, como patos, marrecos e peixes.

O impacto de doenças como a F. hepatica merece mais atenção no país e a compilação de informações sobre a evolução da doença pode ser utilizada para prever eventos futuros, permitindo intervenções preventivas na fazenda. Modelos estatísticos usando dados históricos podem descrever com precisão o padrão típico de um ano em particular e um modelo integrado pode ser apropriado para usar dados para prever cenários futuros. Os objetivos do nosso grupo de pesquisa foram: (1) determinar a taxa de perdas por fasciolose no pais e (2) prever a incidência de F. hepatica para o RS, que é o estado com prevalência mais alta.

 

Impacto econômico no Brasil

Os relatórios do Serviço de Inspeção Federal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, foram coletados de janeiro de 2002 a dezembro de 2010 para o pais inteiro, incluindo a origem dos animais, por estado e por cidade. Estas informações foram agrupadas com o tamanho do rebanho por estado e o percentual de fígados infectados fornecidos pelo MAPA. A taxa de perda foi baseada em estudos recentes, assim como a média do custo por quilograma de carne. As variáveis ‘mês de abate’ e ‘animal doente’ foram usados para calcular as variáveis. A análise descritiva das séries temporais utilizou dados de 168 meses. As variáveis ano, mês e data foram criados e a decomposição sazonal foi realizada de acordo com as sequencias de dados observadas. Também realizamos uma análise de previsão para determinar a ocorrência da doença entre os anos de 2011 a 2018 no RS, usando a ocorrência de animais infectados.

 

Resultados

Durante o período registrado, 7.607.773 animais foram abatidos no RS e, destes, 1.098.228 foram positivos para F. hepatica. A Tabela 1 ilustra as perdas econômicas por estado, mostrando um impacto US$ 210 milhões em todo o país, onde US$ 147 milhões foram somente para RS, seguido por Santa Catarina. Os dados para a relação de infecção (animais doentes) durante um período de 9 anos e a análise de previsão, para os próximos 7 anos com base em um índice anual, bem como intervalos de previsão ano a ano para RS são apresentados na Figura 3.

A fasciolose teve uma distribuição estável com pequenas diferenças interanuais, dando ao modelo um excelente prognóstico para a ocorrência futura da doença. Como pode ser visto, se as práticas de manejo forem mantidas (ou seja, controle parasitário inadequado), é muito provável que um número semelhante de animais permaneça em risco com a possibilidade de ter um enorme impacto no bem-estar animal e na produção de carne.

Tabela 1

Prevalência1 de Fasciola hepatica no fígado e o impacto econômico2 calculado devido à diminuição peso de carcaça e condenação do fígado de animais infectados (+ F. hepatica) no Brasil.

Artigo Científico Figura 3 - chimp

Artigo Científico Figura 4

Controle e Monitoramento: planos para o futuro

Avanços nos sistemas de vigilância de doenças e modelos epidemiológicos têm concedido a expectativa que os sistemas de alerta precoce não são somente viáveis, mas ferramentas necessárias no combate a disseminação de doenças infecciosas, associada a grandes perdas econômicas e sociais. Como a fasciolose tem um grande impacto econômico no Brasil, especialmente nos estados do Sul, a análise de previsão revelou que a incidência de parasitos pode aumentar consideravelmente. A informação que veio dos abatedouros também provou ser uma valiosa rede sentinela, para prever eventos a partir de uma grande área e durante um longo período de vigilância.

Estudos anteriores revelaram que formas de manejo, clima e fatores ambientais podem afetar significativamente a distribuição espacial da infecção por F. hepatica e pode ser usado para a previsão de doenças. A vigilância de doenças usando informações de séries temporais previas é central para prever a atividade da doença, onde o tamanho e a extensão espacial dos dados epidemiológicos foram particularmente importantes para investigar padrões anuais da Fasciola.

O conhecimento da epidemiologia e fatores associados à fasciolose podem ser capazes de minimizar o impacto da doença. Dessa forma, proprietários e profissionais devem estar atentos a estas informações e dar a devida importância quando forem indicar estratégias de prevenção e prescrever as recomendações de controle parasitário.

No futuro, pretendemos melhorar o conhecimento epidemiológico e a vigilância de F. hepatica incorporando alguns dos índices de informação de risco. Esta é a primeira vez que foi utilizado o modelo para F. hepatica e pode ser extrapolado para outros países endêmicos na América do Sul, para a infecção humana e animal.

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