Publicado em 02/02/2015 15h36

Grãos buscam novo equilíbrio após uma década de pujança

Após uma década de pujança para o agronegócio, em especial para o mercado de grãos, o setor entra em um período de transição no ciclo 2014/15. Num ano em que o mundo colhe, pela primeira vez, safras recordes de soja milho e trigo em uma mesma temporada, os preços dos três grãos mais negociados no globo derretem e lançam no mercado questões cruciais. Teria o superciclo de produção finalmente chegado ao fim? Seria o “milagre chinês”, que sustentou boa parte da escalada da soja, uma bolha prestes a estourar? Teria o mercado do etanol, que impulsionou os preços do milho e deflagrou o início do ciclo de alta dos grãos, atingido um platô?
Por: AgroGP

Analistas de Brasil e Estados Unidos consultados pela reportagem são unânimes ao afirmar: sim, os tempos são outros e a safra 2014/15 marca o ponto de inflexão. Mas o que se convencionou chamar de “o novo patamar de preços” não ficou para trás.

“Acredito que no longo prazo o mercado vai continuar oscilando na mesma banda de variação em que vinha trabalhando nos últimos anos. Mas a história mostra que, dentro de um grande ciclo, as cotações podem passar períodos prolongados tanto na extremidade superior quanto no intervalo inferior dessa banda. E atualmente vivemos esta última situação”, explica Darrel Good, economista da Universidade de Illinois (EUA) especializado no mercado de grãos.

Nos últimos anos, o desequilíbrio entre oferta e demanda colocou os preços dos grãos em uma trajetória quase vertical (veja matéria na página ao lado). Mas a conjuntura fundamental altista começou a ruir em meados do ano passado, fazendo com que soja e milho perdessem perto de 40% de seu valor em dólar em um intervalo de poucos meses. Na comparação com os picos de 2012, a queda é de 38% na oleaginosa e de 60% no cereal.

Para Good, trata-se do início de uma longa trajetória de queda nos preços, como a observada ao longo dos anos 80 e 90, mas ainda dentro de um superciclo de alta.

Com a melhora do clima no Brasil no final de janeiro, a ideia de uma produção recorde na América do Sul é latente – fato que, somado à colheita de uma supersafra nos EUA, tende a manter os preços sob pressão. Mas, num mercado em que a demanda é firme, safras recordes não resultam, necessariamente, em estoques recordes, considera Aedson Pereira, da Informa Economics FNP em São Paulo.

Em seu estudo anual sobre as perspectivas para o agronegócio global, divulgado no final do ano passado, o banco holandês Rabobank observa que as reservas mundiais estão sendo recompostas, mas alerta que o momento ainda é de transição. O ano de 2015 será “interessante”, disse Stefan Vogel, chefe mundial da área de estudos de mercado agro da instituição.

“Fatores macroeconômicos permanecem em jogo e os preços continuarão respondendo a oscilações no balanço de oferta e demanda, uma vez que os estoques da maioria das commodities ainda não estão nos níveis necessários para proporcionar uma margem de segurança suficiente”, detalhou às agências de notícias.

Pereira explica que, numa conjuntura em que a produção mundial supera o consumo, o mercado fica bastante sensível a qualquer perturbação na demanda, respondendo com quedas ao menor sinal de desaceleração. Por outro lado, eventuais choques de oferta, como problemas climáticos ou reduções de plantio, teriam efeito contrário, elevando as cotações.

Fundamentos macroeconômicos ampliam oscilações

Colheitas recordes de soja, milho e trigo ao redor do globo em 2014 comprimiram os preços internacionais dos grãos a patamares que o mercado acreditava já ter vencido anos atrás. Em 2008, quando a soja rompeu a barreira dos US$ 16 e o bushel de milho alcançou US$ 7,50 na Bolsa de Chicago, muita gente ficou se perguntando se o mercado teria fôlego para superar os picos pré-crise econômica mundial. Mas o pouco provável aconteceu e, quatro anos depois, o cereal batia US$ 8,30 e a oleaginosa chegava perto de US$ 18 por bushel.

O feito disseminou no mercado um sentimento de que as cotações haviam atingido um novo patamar e que as médias históricas (soja a US$ 6 e milho a US$ 2,50) haviam ficado definitivamente para trás. Os fundamentos pareciam sólidos. Programas de biocombustíveis que desviavam quase metade da safra de milho dos Estados Unidos para a produção de etanol e a crescente demanda de economias emergentes como China e Índia, combinados a uma série de frustações climáticas que reduziu a produção nas principais regiões produtoras de cereais do mundo, alçaram os preços a uma banda mais elevada.

Em meados do ano passado, contudo, os fundamentos do mercado começaram a ser alterados– e a soja, até então oscilando de US$ 12,5 a US$ 16,30 por bushel, caiu rapidamente, chegando a romper os US$ 10 pela primeira vez em mais de quatro anos.

O crescimento econômico das nações emergentes, que avançava em ritmo galopante até 2012, a uma média de 8% ao ano, desacelerou para cerca de 5%. No mundo desenvolvido, o Japão, maior importador de milho, entrou oficialmente em recessão em 2014. A zona do euro, perto de um quarto da economia global, escapou à recessão, mas cresce a taxas cada vez menores. A China, destino de 65% da soja comercializada no mundo, cresce a 7,5%, bem abaixo de taxas de dois dígitos.

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US$ 11 por bushel de soja e US$ 4,60 por bushel de milho é o preço médio projetado pela Universidade de Illinois para a “nova era dos grãos”. Valores são inferiores aos que o mercado trabalha atualmente na Bolsa de Chicago, mas bem acima da média histórica.

116 dias de consumo é o tempo que os estoques mundiais de soja poderão atender ao final da safra 2014/15– quase um mês a mais do que na temporada passada e o maior nível da história. No milho, reservas ao final do ciclo atual serão suficientes para suprir a demanda global por 71 dias – 5 dias a mais do que na safra anterior e o maior nível desde 2002/03, segundo o Usda.