O crédito rural para agricultores familiares ainda é um desafio no Brasil. O motivo é simples: a maneira como pequenos produtores se organizam é diferente da forma como as instituições financeiras avaliam as atividades que podem ser financiadas. Por exemplo, um galinheiro pode contribuir para consumo próprio de ovos, para venda de frangos e ovos e também com fornecimento de adubo. Outro desafio para as instituições é a falta de uma separação clara entre finanças privadas e empresariais. Tudo isso faz com que a agricultura familiar enfrente dificuldades na hora da avaliação de crédito. Mesmo linhas estruturadas para este público, como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), acabam deixando de fora produtores com histórico consistente de produção e comercialização.
É nesse contexto que a Rede APOMS em parceria com a Alimi Impact Ventures e financiamento da Rabo Foundation criaram o Programa Crédito Sistêmico. Prestes a completar três anos de atividade, ele já beneficiou direta e indiretamente mais de 200 famílias no Mato Grosso do Sul. O relatório de resultados, elaborado pelo Climate Smart Institute e que foi lançado hoje, dia 18 de fevereiro, inclui o monitoramento da renda dos participantes, que aumentou mais de 40% na primeira etapa do projeto e manteve-se estável na segunda fase, quando a região foi atingida por eventos climáticos extremos e produtores não participantes tiveram queda em seus rendimentos. “A constância na entrega de produtos ao longo da crise climática de seca extrema em 2024 é talvez o indicador mais interessante, pois sugere que esta abordagem favorece também a adaptação da agricultura familiar à mudança do clima”, destaca Angélica Rotondaro, consultora sênior da Rabo Foundation e Rural Fund no Brasil.
Até o momento, o Programa Crédito Sistêmico financiou 47 projetos da agricultura familiar na macrorregião de Dourados e Nova Andradina, no Mato Grosso do Sul. Além das 45 famílias de produtores individuais diretamente atendidas, participaram duas cooperativas que alcançaram outras 200 famílias e duas associações. O projeto incluiu também um curso de assistência técnica de longa duração, que visou também formar jovens lideranças, e dois cursos de curta duração sobre planos de conversão para produção orgânica, que atendeu 26 produtores. Por fim, houve a instalação de uma unidade de didática para cursos de formação e um viveiro de mudas no Centro de Treinamento para a Agricultura Familiar em Glória de Dourados.
Para conseguir beneficiar esses produtores, o Programa Crédito Sistêmico adotou uma abordagem integrada e coordenada que considera a propriedade rural como um sistema produtivo complexo. Ao contrário do crédito tradicional, que, via de regra, visa uma única cultura e finalidade (investimento, capital de giro, etc.), o Crédito Sistêmico considera múltiplos produtos, produção doméstica e finalidades combinadas. Esse diagnóstico sistêmico da família e da propriedade identifica oportunidades de aumento de produção, combinando culturas para consumo doméstico e comercialização, dinamizando a integração entre as atividades desenvolvidas de modo a alcançar a máxima eficiência dos recursos da propriedade. “O diagnóstico participativo como instrumento de avaliação para o crédito é o cerne da linha de Crédito Sistêmico, pois é uma metodologia que inova ao considerar múltiplas dimensões do funcionamento da pequena propriedade familiar”, explica Olacio Komori, diretor da APOMS e idealizador do programa.
A linha de crédito sistêmico é estruturada com base na demanda local e em uma experiência anterior com uma linha de crédito para transição agroecológica. Esse alicerce financeiro é complementado pela assistência técnica, que favorece a diversificação de produtos e atividades comerciais na propriedade do pequeno produtor. O direcionamento do curso para jovens fortaleceu o envolvimento da próxima geração no planejamento das atividades. O projeto beneficiou também as mulheres produtoras, que responderam por 20% dos tomadores de crédito. Embora seja ainda um percentual pequeno, ele é relevante por se tratar efetivamente das usuárias finais responsáveis pela gestão do crédito. “O que a experiência no Mato Grosso do Sul mostrou é que o resultado dessa abordagem é aumento de renda, melhores condições de trabalho, melhoria da qualidade de vida, redução de desperdício e maior sustentabilidade”, sintetiza Nobuiuki Ito, consultor do Climate Smart Institute e autor do relatório de impacto.
O Programa Crédito Sistêmico foi elaborado pela Rede APOMS em parceria com a Alimi Impact Ventures, com financiamento da Rabo Foundation. A implementação do fundo de empréstimo foi realizada pela Cresol Centro-Sul RS/MS. A Rabo Foundation destinou um montante total de R$ 1,55 milhão, sendo um fundo de empréstimo de R$ 1,3 milhão e um fundo não reembolsável a título de assistência técnica de R$ 250 mil. O fundo de empréstimo foi operado pela Cresol Centro-Sul RS/MS. O financiamento teve taxa de juros de 8,3% a.a., carência de 6 meses e prazo de 36 meses para pagamento. A assistência técnica ficou sob gestão da Rede APOMS. O projeto contou ainda com parcerias estratégicas com a COOPERAPOMS, em Dourados, e a COOPERAI, em Ponta Porã.
O Presidente da Cresol Centro-Sul RS/MS, Mauri Picoli, destaca que a Cresol sempre teve um compromisso claro com a inclusão financeira, especialmente para aqueles que tradicionalmente encontram barreiras para acessar o crédito. “O Programa Crédito Sistêmico é um exemplo vivo desse compromisso, ao possibilitar que produtores familiares, mesmo sem garantias tradicionais, possam financiar suas atividades de forma sustentável e integrada. Nosso olhar está voltado para as comunidades e para o fortalecimento das famílias, porque entendemos que o desenvolvimento rural não se constrói apenas com números, mas com apoio técnico, valorização das pessoas e soluções que respeitam a realidade de cada propriedade. Este programa não apenas transforma vidas, mas também cria uma nova perspectiva de crédito que promove a equidade e a sustentabilidade no campo.”
A Rabo Foundation tem priorizado o bioma Cerrado e vem apoiando com empréstimo e assistência técnica projetos relacionados com a resiliência hídrica e o empreendedorismo de base no uso sustentável do bioma, explica Lygia Cesar, gerente de projetos América Latina da Rabo Foundation.
A linha de Crédito Sistêmico se baseia em uma experiência de crédito anterior, coordenada pelos mesmos parceiros, que começou em 2018 e foi ampliada em 2021. Em 2025, está sendo expandida no Mato Grosso do Sul e replicada no Rio Grande do Sul. Juntas, essas três linhas somam um milhão de euros em empréstimos e 190,5 mil euros em fundos para assistência técnica, com 350 beneficiários diretos.
Rede APOMS - Organização formada por produtores rurais do Mato Grosso do Sul, focada na promoção da agricultura familiar, orgânica e agroecológica. A rede apoia pequenos agricultores, oferecendo assistência técnica, capacitação e facilitando o acesso a mercados. Sua atuação fortalece as práticas sustentáveis e o desenvolvimento econômico das comunidades rurais.
Rabo Foundation - Investidor de impacto parte do grupo Rabobank.. Com 50 anos de existência, a cada ano apoia mais de 400 organizações, oferecendo soluções de impacto que proporcionam oportunidades para pessoas em situação de vulnerabilidade, como pequenos agricultores, a crescerem e melhorarem suas condições de vida na África, na Ásia e na América Latina. Para mais informações acesse o site rabobank.nl/rabofoundation.
Alimi Impact Ventures - Consultoria em investimento de impacto focada em apoiar empresas sustentáveis e gestores de fundos na América Latina. Eles oferecem soluções como modelagem de negócios, opções financeiras estratégicas e análise de cadeia de valor, com o objetivo de escalar investimentos de impacto socioambiental. Atua com uma perspectiva sistêmica para promover o desenvolvimento sustentável.
Cresol Centro-Sul RS/MS - Atua promovendo o cooperativismo de crédito, com forte presença no Mato Grosso do Sul. A cooperativa oferece soluções financeiras voltadas para a agricultura familiar e pequenos empreendedores, contribuindo para o desenvolvimento sustentável da região. Além de proporcionar acesso ao crédito, a Cresol promove inclusão financeira e capacitação, fortalecendo a economia local e ajudando os cooperados a expandirem suas atividades.
Climate Smart Institute - Para o Climate Smart Institute, a água é o fio condutor da vida. Por isso, sua missão é promover a resiliência hídrica e fortalecer a saúde dos ecossistemas aquáticos no Brasil. Para tanto, o instituto desenvolve programas de empreendedorismo de base, realiza estudos de impacto e documentários e estabelece parcerias colaborativas.
